Construindo cidades, movimentando pessoas

A gestão de RH ganha nova dimensão diante do desafio de formar, atrair e reter profissionais em empreendimentos de grande porte em lugares afastados onde falta tudo — da infraestrutura básica à mão de obra qualificada

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Desafio. Essa é uma das palavras mais citadas pelos gestores de recursos humanos quando o assunto é participar da “invenção” de um polo produtor — a instalação de um empreendimento industrial de grande porte, como uma mina de bauxita, em um local afastado dos grandes centros urbanos, onde faltam infraestrutura e mão de obra qualificada. O sentido da palavra, contudo, não é apenas de obstáculo, mas também de fator de atração. O gosto pelo desafio de participar do nascimento e do desenvolvimento de um projeto grandioso, dizem os diretores de RH, é decisivo tanto para os envolvidos no recrutamento quanto para os profissionais convidados a seguir carreira num lugar onde a geografia e os índices de desenvolvimento parecem trabalhar contra. Sem esse gosto pelo desafio, todas as demais tarefas — que são muitas — perdem o sentido.

Sem dúvida, são necessárias muitas ações para formar, atrair e reter profissionais onde antes não havia nada ou quase nada: promover cursos profissionalizantes, construir escolas e hospitais, providenciar lazer e moradia. Às vezes é preciso, praticamente, construir uma cidade inteira do nada. Para o sucesso de um projeto dessa envergadura, várias estratégias são indispensáveis, como fazer parcerias com associações para capacitar populações que, quase sempre, carecem totalmente da cultura industrial. Mas a empresa deve saber mostrar, tanto ao morador aspirante a operário quanto ao diretor que vem de longe, que a nova instalação é uma oportunidade única de crescimento. Aqui, a atuação da área de RH faz a diferença. “Certamente, salário e benefícios contam na vida de qualquer pessoa, mas o que mais influencia nesse momento são as oportunidades de desenvolvimento da carreira”, afirma Marcus Cangussú, gerente de RH da Anglo American Brasil em Barro Alto, no interior de Goiás, ao descrever a tarefa de atrair executivos para a planta de beneficiamento de ferro-níquel que começa a operar em 2011. Além disso, é necessário mostrar às comunidades locais como o novo empreendimento também as beneficiará, seja com empregos diretos e indiretos, seja com projetos de desenvolvimento em educação, saúde e ambiente. Nesse diálogo inicial também não pode faltar o profissional de RH, guiado por uma boa estratégia de comunicação e relacionamento.

Tanto na cúpula quanto no chão de fábrica, o diálogo deve ser contínuo. Depois de recrutar operários e gerentes, a missão é elaborar e manter estratégias de aproveitamento e crescimento dessa capacidade criada. Qual a demanda por novos planos de carreira? Em quais pontos a mão de obra local precisa se desenvolver para ser mais bem aproveitada? As famílias que vieram de longe e se instalaram perto da unidade estão satisfeitas? Qual deve ser a política de utilização da escola e do hospital construídos pela empresa? Em outras palavras, a tarefa é adequar a gestão de RH à política de sustentabilidade da empresa. “Pensamos no longo prazo. Um dia, as crianças que estudarão na escola que estamos construindo trabalharão conosco”, diz a diretora de RH da Alcoa, Sílvia Dias, falando sobre a atuação de seu departamento na mina de bauxita que inicia as operações em setembro em Juruti, no oeste do Pará.

Em comparação com a rotina de uma corporação em um centro urbano, atividades como a acomodação de novos moradores ou o acompanhamento da instalação de uma escola podem exigir um contato bem mais intenso e frequente com as pessoas. “Ouvir cada vez mais os envolvidos: esse é o grande desafio de quem trabalha num projeto desses”, diz Neusa Silva, gerente de RH da Alcoa em Juruti. A ideia é confirmada pelo gestor de RH de um empreendimento bem mais antigo: a mina de bauxita da MRN, que completou 30 anos em agosto e inclui um núcleo urbano construído especialmente para os funcionários, o Porto Trombetas, também no Pará. “Gerenciar projetos desse tipo requer muito envolvimento profissional, mas também pessoal. É preciso saber trabalhar com as duas dimensões”, afirma João Paulo Corrêa de Mello, gerente de administração e recursos humanos da MRN. “Todos nós moramos aqui. Você convive 24 horas com as pessoas.”

A seguir, conheça as experiências dos gestores de RH de quatro grandes empreendimentos no interior do Brasil, em diferentes fases de implantação ou operação, e saiba como eles lidaram — e ainda lidam — com os vários desafios envolvidos.

ALCOA
Integrar para não excluir. Para a diretora de RH da Alcoa, Sílvia Dias, a principal missão do gerenciamento de pessoas em Juruti é ir além da contratação de profissionais para a operação imediata da mina de bauxita e pensar no médio e longo prazo. Trata-se de uma estratégia de duas vias: promover o desenvolvimento profissional e econômico local e, assim, sustentar o material humano necessário ao próprio empreendimento. “Vamos além do que precisamos no momento”, diz Sílvia, citando como exemplo os cursos básicos de capacitação profissional em marcenaria, carpintaria e outras especialidades, lançados há três anos em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Mais de 2 000 pessoas das comunidades locais já foram formadas. Dessas, cerca de 60 viraram funcionárias na operação da mina.

Como parte da política de sustentabilidade, a Alcoa comprometeu-se a contratar pelo menos 70% de mão de obra na própria região do oeste do Pará (a meta foi superada, atingindo 80%). A tarefa iniciada com o lançamento do projeto, em 2000, foi desafiadora, pois a principal atividade econômica de Juruti era a agricultura de subsistência. Dos 35 000 habitantes, 65% residiam em comunidades rurais. Por isso, o primeiro grande passo foi chegar até essas pessoas, apresentá-las ao projeto e convidá-las a participar. O departamento de RH teve papel ativo na divulgação em reuniões com órgãos do poder público e campanhas em jornais, rádio e TV.

A política da Alcoa, segundo Sílvia, é integrar ao máximo a comunidade ao projeto, oferecendo os mesmos benefícios aos funcionários e aos moradores da região. “Seria mais fácil construirmos uma vila, com infraestrutura exclusiva para nosso pessoal. Mas queremos evitar a criação de uma bolha”, afirma a diretora. “As casas dos funcionários são erguidas no meio da cidade, para não criar separações artificiais. Seria ruim para a comunidade, que se sentiria discriminada e excluída.” O setor de RH também é encarregado de criar políticas de uso da nova infraestrutura — ou seja, como será o acesso da população e dos funcionários à escola, ao hospital e a outras instalações.

É a esse contexto que a Alcoa procura integrar também os gestores e os demais profissionais que vêm de fora para operar a mina. Estes precisam, antes de tudo, ter o perfil adequado, no qual o desejo de encarar desafios é pré-requisito. Existe, de qualquer modo, a oferta de benefícios — promoções, aumentos, moradia subsidiada — para atrair gerentes, alguns dos quais vieram de outras unidades da Alcoa. “O principal, contudo, é o desafio de iniciar uma operação nova, algo muito importante para a carreira de profissionais como um geólogo ou um engenheiro de minas.”

MRN
“Oferecemos um pacote de vida” Embora tenha sido inaugurada há 30 anos, seja a maior produtora nacional de bauxita e conte com um núcleo urbano construído especialmente para seus funcionários, a Mineração Rio do Norte (MRN) ainda não está livre de desafios quando o assunto é o capital humano. “Ainda somos uma região remota, com dificuldades de prover formação”, diz o gerente de administração e RH da MRN, João Paulo Corrêa de Mello, um dos 6 000 habitantes de Porto Trombetas, núcleo criado para abrigar os empregados e suas famílias. A localidade é um distrito do município de Oriximiná e fica a 880 quilômetros de Belém, a capital do Pará. “Os profissionais exigem desenvolvimento e aperfeiçoamento contínuos. Por isso, investimos muito para oferecer oportunidades de carreira e programas de formação e qualificação para os diversos níveis hierárquicos”, afirma Mello. Segundo ele, a empresa mantém várias parcerias para oferecer cursos técnicos e até de graduação e pós-graduação, com a participação de instituições como a Fundação Getulio Vargas (FGV) e o Senai.

Mello diz que, apesar de quase 85% do quadro efetivo da MRN ser formado por pessoas da Região Norte, o corpo gerencial da empresa ainda é composto majoritariamente de pessoas de fora. “Nossa intenção agora é absorver mais esses profissionais especializados da região”, afirma.

Como fazer isso? “Oferecemos um pacote de vida”, resume o gestor. “As pessoas vêm em busca de uma carreira, de crescimento. Os salários e os benefícios praticados são competitivos”, diz Mello. “Aqui não temos gastos que são comuns em grandes centros urbanos, o apelo consumista é menor, os valores praticados são diferentes, mais voltados para o convívio familiar e a interação com a natureza. Então, as pessoas vêm também atrás dessa experiência, em um local com alta qualidade de vida e muita segurança para as famílias.”

Além das residências, da escola até o Ensino Médio e do hospital, Porto Trombetas conta com clubes de lazer, teatro, cinema, centro comercial e aeroporto. Vários talentos hoje integrados à empresa cresceram ali mesmo. Para que permaneçam, a MRN oferece uma série de benefícios, que incluem moradia, ensino gratuito para os dependentes, kit escolar anual, assistência médica e odontológica, passagem de férias para o local de origem e plano de previdência privada.

Outra estratégia da MRN é oferecer oportunidades não só aos funcionários contratados, mas também a cônjuges e outros parentes. Eles podem lecionar na escola em Porto Trombetas, com capacidade para 1 000 alunos, trabalhar no hospital ou nas mais de 15 empresas instaladas na área. “Procuramos profissionais cujas famílias também possam se integrar ao nosso estilo de vida. É necessário um perfil bastante familiar, doméstico”, diz Mello. “A qualidade de vida é boa, mas não somos um grande centro urbano. Aqui não temos shopping center.”

VCP
Atuando na linha de frente! A implantação da unidade da VCP em Três Lagoas — a maior fábrica de celulose com uma única linha de produção do mundo — exigiu que o departamento de RH trabalhasse, mais do que nunca, em contato direto com as outras áreas. “Num projeto desses, o RH precisa tomar a dianteira. Seu papel acaba ampliado e o setor trabalha ombro a ombro com os outros”, diz o gerente-geral de pessoas da VCP, Luiz Banci, que está à frente da gestão de recursos humanos do empreendimento, chamado de Projeto Horizonte, desde seu lançamento, em 2006.

Antes do início da operação, Banci viajava toda semana até Três Lagoas, cidade de 100 000 habitantes no leste de Mato Grosso do Sul, para acompanhar de perto o processo de instalação. “Contratamos um funcionário de RH para fazer os primeiros contatos com os poderes locais, com a associação comercial, as associações de bairro. Fomos ampliando a rede de contatos.” O diretor também acompanhou a implantação de programas de apoio à comunidade, fundamentais para estabelecer boas relações com a população local.

Na fase de preparação de pessoas para a construção da fábrica, a empresa investiu, em parceria com o Senai, na criação de um centro de desenvolvimento para capacitar moradores de Três Lagoas e municípios vizinhos. Salas foram construídas para os cursos. Trabalharam para erguer a fábrica 10 000 empregados em média — 12 000 no pico da obra. Foi necessário construir alojamentos para todos.

Na capacitação de pessoal para a operação, a parceria com associações da indústria também foi indispensável. Dos 2 100 atuais funcionários da fábrica e da área florestal, 500 foram capacitados em algum momento pelo Senai. Mas todos já passaram por algum curso de capacitação dentro da própria VCP.

Para Banci, o maior desafio em projetos desse tipo é construir uma equipe eficiente em uma região que não possui a cultura industrial. “Tivemos de formar pessoas em um setor novo para a cidade”, diz o executivo. E tiveram também de atrair outros profissionais, principalmente com promessas de evolução na carreira. Houve também apoio inicial à moradia: a empresa construiu casas para os empregados e ajudou até nas despesas com os móveis.

A maioria dos executivos da nova fábrica foi recrutada na própria empresa. Muitos dos convidados a trabalhar em Três Lagoas foram promovidos. “Mas o que atrai bastante é o próprio empreendimento”, afirma Banci. “Participar da implantação de um projeto dessa dimensão, desde a estaca zero até a operação, é marcante para um currículo, uma carreira.” Mostrar isso aos potenciais candidatos é missão fundamental do departamento de RH.

ANGLO AMERICAN BRASIL
O desafio da capacitação. Com o início da operação de sua planta de beneficiamento de ferro-níquel em Barro Alto — município de 7 000 habitantes no centro de Goiás — previsto para 2011, a Anglo American Brasil realiza investimentos de peso na capacitação da população local e em outros programas de desenvolvimento. Entre 2007 e 2008, a empresa destinou ao município 10 milhões de reais para obras de infraestrutura, como iluminação e saneamento. Além disso, em parceria com o Serviço Social da Indústria (Sesi) e a prefeitura, a Anglo iniciou a construção da unidade do Sesi em Barro Alto, para oferecer esporte, lazer e educação. E também fez parceria com a Care, uma das maiores ONGs de ação social do mundo, para implantar um projeto de desenvolvimento socioeconômico que inclui formação de empreendedores, diversificação da atividade econômica e melhoria do sistema educacional.

Desde o início do projeto, em janeiro de 2007, já foram capacitadas mais de 1 000 pessoas, a maioria em cursos do Senai, para o trabalho em construção civil, eletrotécnica, informática e pirometalurgia, entre outras áreas. O plano é aproveitar parte da nova mão de obra na operação da planta industrial, que empregará cerca de 700 pessoas no beneficiamento da matéria-prima fornecida pela mina da própria Anglo American em Barro Alto, em operação desde 2003. Antes disso, cerca de 4 000 pessoas deverão trabalhar na construção da planta.

“O interesse e o nível dos candidatos superam nossas expectativas”, diz Marcus Cangussú, gerente de RH da unidade da Anglo American em Barro Alto. Ele conta que, em setembro de 2008, a empresa fez um processo seletivo na cidade para cargos operacionais. Ao todo, 443 pessoas se inscreveram, 275 passaram nas provas e 12 já foram contratadas. “Pessoas com formação superior também participaram do processo”, diz Cangussú. “Como atuamos intensamente com processos seletivos internos, essa oportunidade surge como uma porta de entrada para o crescimento profissional.”

A Anglo American praticamente já concluiu a contratação para cargos estratégicos (gerentes, engenheiros, supervisores) e nas áreas cujas atividades precedem o início da operação, como engenharia de minas e geologia. Para atrair gente de fora ou de outras unidades da empresa, o departamento de RH criou um pacote de benefícios. A Anglo American oferece subsídio para moradia por 12 meses para facilitar a adaptação do funcionário na região, cobre todas as despesas de mudança da família e paga hospedagem por até 30 dias para que o candidato encontre um imóvel para morar. “Quando selecionamos um candidato de outra localidade, primeiro damos a ele a oportunidade de visitar a empresa, a cidade e a região. Alguns inclusive trazem a família. Só depois fechamos a vaga”, diz Cangussú.

Por Alexandre Moschella, retirado da revista Você RH.
Construindo cidades, movimentando pessoas Construindo cidades, movimentando pessoas Reviewed by Jonas Schell on fevereiro 05, 2010 Rating: 5

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